09/06/2022

Autoestima e câncer de mama: um olhar de amor e superação – Por Lila Guimarães (@cenacrua)

Sobre Mulheres

Escrever parte desta história é como contar sobre mim, minha avó, tias e inúmeras mulheres. Quiçá todas elas. Quando Lívia Cheble, uma das minhas melhores amigas, me revelou seu câncer de mama tão cedo aos 35 anos percebi que ser mulher é estarmos ligadas por fios totalmente indestrutíveis e ancestrais.

A ficha caiu: quando uma mulher está doente, todo o feminino também está. Assim como quando uma mulher se cura, ela fortalece toda uma egrégora, um mesmo corpo social e espiritual. Não consigo racionalizar mais do que isso. Apenas senti a notícia como uma bomba e uma lucidez tremenda sobre a doença.

Estados emocionais no tratamento

Passado o choque veio o medo, uma companhia que para Lívia sempre esteve ali, desde os 14 anos, quando começou a ter sangramentos pelo mamilo.

“Eu era uma criança, só queria saber de jogar vôlei, mas minha mãe entendeu que precisava de acompanhamento e assim é há 20 anos. Faço fielmente os meus exames anuais e por conta deles pude monitorar todas as alterações suspeitas no meu corpo. Operei aos 17 para retirar um tumor benigno. Depois, mais uma cirurgia e virando os 36, no dia 28 de outubro do ano passado, um diagnóstico de malignidade. Um câncer, palavra que muita gente não suporta ouvir ou falar. Acho importante falar”, me contou Livoca (apelido carinhoso de infância). “Por mais que vivesse com a sombra dessa possibilidade, que soubesse que poderia acontecer comigo, foi um baque. A gente nunca está realmente preparada para uma situação como essa. Já tinha visto minha mãe, avó, madrinha e sogra passarem pelo tratamento! Sabia que ia sofrer, viver mil coisas que eu não queria. Minha vida ficou do avesso! Parei de trabalhar porque além de tudo tinha a pandemia, precisava me proteger. Sou fisioterapeuta e tenho contato físico com meus pacientes. Tudo se desconfigurou, mas fui atrás do que tinha que fazer. Investigamos como pudemos, muitas vezes as respostas não foram suficientes, o que aumentava a angústia. Passei por uma quimioterapia, depois uma rádio e hoje continuo com medicamento oral. Por mais alguns anos, estarei numa espécie de menopausa induzida, outra questão que mexe com minha cabeça. Além do tema autoestima. Sinto que tudo mudou, não só internamente.”

Efeitos colaterais e autoestima

Sobre o impacto do tratamento oncológico na aparência e na autoestima, falei com a dermatologista Dra. Patricia Silveira que me confirmou que esse é um período delicado pelos efeitos colaterais.

Alguns medicamentos ressecam e causam algum grau de irritação à pele. Outros, surto de acne, coceira, queda de cabelo e até infecções. Além disso, o tratamento em si, pode influenciar o aspecto emocional, trazendo ansiedade e inseguranças.

Transição para os cosméticos limpos

A transição para os cosméticos limpos veio como mais uma demanda, contornada pelos pequenos prazeres de estar em contato com ingredientes saudáveis. Também “pela sensação de estar no meio de uma horta”, como ela descreve o aroma reconfortante dos produtos que passou a usar com “cheiro de verde” proveniente dos óleos essenciais que também são terapêuticos e trazem bem-estar.

Tudo começou logo depois da cirurgia, no dia 4 de fevereiro, por conta da cicatriz na axila, Lívia não podia usar o seu desodorante de sempre, só composições naturais.

Por causa do vôlei, desde nova eu usei muito desodorante spray. Tinha mania de aplicar várias vezes ao dia. Já estava na hora de me livrar do alumínio. Por que não fazer uma revisão de tudo, mudar de fora para dentro e de dentro para fora? O clique veio numa conversa com minha nutróloga, naquele momento toda minha alimentação estava super saudável e planejada em cima dos meus exames de sangue. Bebia e ainda bebo 3 litros de água diariamente. Me toquei: “não pode ser só o que eu como que me faz mal”. O pouco que uso de cosmético, e eu uso todo dia, me afeta também! Agora quero só o que me faz bem!

Em seguida, Lívia trocou pasta de dente, creme hidratante, shampoo, condicionador, maquiagem, até a escova dental agora é de bambu já que sustentabilidade é um dos pilares mais consistentes do consumo consciente. A vontade de melhorar hábitos cresceu e é “um caminho sem volta”.

Autocuidado e bem-estar

Ainda sobre sua aparência, as olheiras ficaram mais profundas por conta das noites difíceis, quando se via sozinha e podia chorar sem preocupar ninguém, ou quando não conseguia pregar os olhos sentindo todo o peso da situação.

Tive que reaprender a dormir. Entendi que precisava fazer coisas boas ao deitar. Uma delas era cuidar da pele, fazer uma automassagem e criei um ritual noturno. Passei a usar a água floral da linha Nascer no rosto, colo e pescoço. Por conta da calêndula e da lavanda me sentia mais calma. Hoje a água virou meu perfume.

Numa jornada atenciosa como a da Lívia, de autoconhecimento e de redescoberta da própria beleza, são os detalhes, sutilezas, que muitas vezes viram importantes chaves para uma relação mais positiva com a nova imagem. Em alguns casos, as mamas ganham formatos diferentes com cicatrizes profundas ou há mastectomia, a retirada do seio, o que não aconteceu com ela.

De fato o câncer de mama além de ser o mais comum entre as mulheres é o que mais mexe com a autoestima feminina. Por isso a importância de olharmos para o assunto com cautela destacando o acolhimento e s empatia como aliados no processo de cura e de superação das pacientes. “O cuidar da pele e a valorização da beleza devem ser vistos como um pilar positivo da manutenção da saúde mental pelo autocuidado e amor próprio”, completou Dra. Patrícia.

Cabelo e a imagem pelo espelho

Cabelo, cílios e sobrancelhas também caíram bastante.

Meu cabelo sempre foi longo, volumoso, forte. Com ele ralo me sentia sucumbindo à doença. Foi quando vi você de cabeça raspada. Olhei sua foto e não parava de chorar porque eu estava muito triste com a minha imagem. Na mesma semana eu cortei bem baixinho, no dia 20 de agosto. Eu saí do salão como se tudo tivesse mudado. Fiquei apaixonada pelo meu cabelo curto!

 

Um olhar atencioso para a vida

Depois de 36 anos, todo dia eu tenho o meu momento, eu estou fazendo alguma coisa por mim. Literalmente me despi para me tratar e me amar, passei a querer pra mim coisas que fossem tão boas quanto as que eu sempre fiz e quis para todo mundo. Hoje minha autoestima está ótima! Ótima é demais, ela está muito boa! Mas foi muito difícil encarar como na verdade ela estava baixa até mesmo antes do câncer

Durante a conversa para esta matéria, acabei sabendo de detalhes que nem desconfiava apesar da nossa intimidade. Fui me inteirando de tudo, passo a passo, numa linha cronológica precisa. Lívia lembra exatamente de todas as datas importantes, dia do mês e da semana. No fim, entendi que é no dia a dia mesmo a superação e que 24 horas ganham uma dimensão ainda maior de relevância na vida.

Vi que muita coisa que achava clichê não é! Durante o tratamento, o medo é inevitável. Ele ainda me acompanha todo dia, mas uma coisa que me deu calma foi a minha rede de apoio e não deixar essa rede fora dos meus processos. A cada noite tinha a certeza de que tudo passaria. Toda dor. Tudo passa. Tudo passa.

Hoje, dia 25 de outubro – mês dedicado à prevenção ao câncer de mama, com a campanha internacional Outubro Rosa – exatamente 1 ano depois do início dessa história, Lívia abriu sua intimidade para inspirar outras mulheres. Me sinto honrada em ser ponte pelo blog da BIOART para falar com vocês que nos leram até aqui! Essa narrativa feita a tantas mãos e corações. Obrigada!